Enquanto grupos políticos, em Brasília, cada vez mais se assemelham  aquadrilhas brigando de foice por e para tirar cada moeda possível dos  cofrespúblicos, ao ponto de um ministro de Estado, numa espécie de  chantagem nadavelada para bom entendedor, insinuar que se uns  continuarem denunciando osoutros vai haver derramamento de sangue entre  irmãos e todos morrerão, no chão do país de verdade quem está morrendo  mesmo é a população desprovida de saúde.Nos últimos dias, um exemplo  nacional e outro local exibidos pela televisãoestamparam o quanto o mar  de corrupção e as intrigas políticas geradas em tornodele se traduz no  dia a dia na ausência do estado na vida de quem precisa ou naprestação  de serviços inclassificáveis de tão desumanos.
 Em agosto, os telespectadores baianos foram assombrados por imagens  deum exército de mais de 2.000 pessoas doentes derretendo de calor,  cansaço esofrimento físico em frente ao Hospital Ana Nery, indicado pelo  poder públicocomo o hospital de referência em cardiopatia. Embora nada  justifique a presençade dois milhares de pessoas implorando por  atendimento médico desde a madrugadaaté o meio da tarde para pegar esse  perverso direito de voltar para casa comesperança de ser atendido um  dia, ou seja, o direito à tal da senha para obteruma ficha, os  responsáveis pela unidade vieram para a frente das câmerasexplicar que  havia ocorrido tão somente um erro no sistema de agendamento. Paraquem  via as imagens e o desespero das pessoas no local era impossível aceitar  atese de que tudo poderia ser reduzido a um erro de sistema.
 VALE-FUNERAL – Umoutro argumento sempre usado pelo ajuntamento  desumano de gente doente em portade hospital é o de que as pessoas, se  doentes e sem possibilidades deatendimento, jamais devem vir para a  capital em busca de atendimento. Odiscurso é belo e aparentemente  funcional: devem procurar as prefeituraslocais, cadastrar-se e esperar  que estas providenciem o agendamento doatendimento em Salvador, via  centrais de regulação. Quem acreditar naeficiência desse sistema ganha  um doce e quiçá um vale-funeral. O povo, que demuito bobo só tem a  aparência, sabe que a política pública da regulação doatendimento entre  prefeituras e sistema único de saúde na capital pode serperfeitamente  traduzível, com raríssimas exceções, por uma sentença do tipo:  esperem,em seu município, passivamente, a morte chegar. Não venha  tumultuar as portasdos hospitais com sua pressa por atendimento, pois  não há vagas, não há leitosdisponíveis. Essa é a tradução da regulação.
 Um dia antes de um ministro, Mário Negromonte, do PP, baiano,  inclusive,quando submetido a denúncias de ter criado um mensalinho para  remunerar o apoiodos colegas de bancada mais pragmáticos, dizer, em tom  de ameaça, que “em brigade família, irmão mata irmão, e morre todo  mundo. Por isso eu disse que issovai virar sangue”, quem praticamente  morria em uma maternidade de referência,em Belém, que lhe batera a porta  na cara, era uma mulher em trabalho de partode gêmeos. Os bebês  nasceram mortos e, independentemente de a causa mortis tersido a  negligência, é impossível compreender que uma mulher em sofrimento  departo tenha duas portas na cara em duas maternidades diferentes e  acabe parindobebês mortos em uma viatura do Corpo de Bombeiros.
 DONO DECAPITANIA – Bastou o Jornal Nacional ir à maternidade para o  discurso surreal desempre recomeçar. Não se sabe de quem é a culpa, os  médicos que estão na pontade um sistema perverso não podem se tornar  bode expiatórios, as maternidades jáestavam superlotadas e a culpa é do  sistema como um todo. Sim, a culpa é dosistema, mas não apenas o de  saúde, mas o político, ético e moral do país. Oimpostômetro instalado em  São Paulo corre voraz todos os dias anunciandoquantos milhões, bilhões,  os brasileiros deixam nos cofres públicos a cada balaque compram e a  cada salário que recebem. O sistema que faz faltar dinheiropara  maternidades ampliarem vagas, instalar leitos, contratar médicos ou para  aconstrução de novos hospitais é o mesmo que sempre dá um jeito de  reservar umdinheirão para mensalinhos e para o combustível dos  helicópteros da PolíciaMilitar do Maranhão que conduzem o mais  prestigiado dono de capitaniahereditária do Brasil, José Sarney, em  sobrevoos para ver as belezas de suailha de estimação no estado. E ele  sente-se tão à vontade com isso que sepermite brincar a respeito  publicamente.
 No mesmo dia em que a realidade da maternidade em Belém onde houve  anegação de atendimento à mãe dos gêmeos mortos no parto mudou  completamente,por conta da presença das câmeras do Jornal Nacional,  nobres senadores, quemsabe estimulados pelo clima Negromonte de insinuar  morte de irmão e sangue,trocaram acusações no plenário e por conta não  encenaram um bang bang desopapos. Os afagos morais oscilavam em torno de  termos como safado, débil mental,louco e moleque. Em Belém, o  representante dos médicos dizia que estes nãopodem ser o bode expiatório  da crise na saúde. Autoridades do sistema de saúdee jurídico diziam ter  havido falta de solidariedade no caso da grávida. Todostêm razão sob  seu ponto de vista, enquanto o mais elementar fica desfocado: oshomens  públicos que deveriam empreender todos os esforços para reduzir  osofrimento humano no país, estão mesmo é exercendo o cinismo, as  ameaças, aschantagens à companheirada e interessados tão somente na  briga por poder,cargos e desvios de dinheiro. Pacientes em desespero e  médicos incapazes de darconta da demanda que se entendam e se acusem  entre si por negligências e mortes.Esse é o recado que boa parte de  ministros, deputados e senadores mandam deBrasília. Justo Veríssimo é a  tendência no Planalto Central.
 Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e  professora daFacom-UFBA. Texto publicado originalmente em 28 de agosto  de 2011, no jornal ATarde, Salvador/BA. 
http://www.comunicacaoepolitica.com.br/blog/2011/08/artigo-de-malu-fontes-bangbang-cinismo-e-mortes/ 
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